Assisti,
neste fim de semana, a uma das falas que mais me emocionou em toda a minha
trajetória acadêmica e política. Não foi um intelectual, doutor ou estadista
que me contou uma história, mas uma professora alfabetizadora, negra, do
interior do Paraná, que, simplesmente, contou a sua emocionante trajetória, de
forma até esticada demais, sem qualquer técnica de atração ou encantamento
discursivo, diriam alguns, como as que vemos por estas propagandas televisivas,
vídeos de auto-ajuda ou palestras de coaching.
Nenhuma
fala sobre preconceito racial será a mesma no Brasil depois de Diva Guimarães.
Questionamentos supérfluos e reacionários serão facilmente rebatidos com a
história real dessa senhora que viveu na pele, através de uma educação branca,
com suas histórias e estórias lavadoras de cérebros, a implementação de uma
mentalidade racista na cabeça do nosso povo – pois não bastava apenas praticar
o preconceito contra o negro, era
preciso ensinar o preconceito ao próprio negro. Teorias e teses caem por
terra diante de uma realidade falada e vivida.
O
termo diva vem do latim divus, que designava toda entidade
espiritual feminina. Séculos após, divas são mulheres que se destacam no mundo
artístico. O latim, de origem romano, é uma língua de um povo branco, que
escravizava brancos e negros, conforme o era no padrão dos povos da
antiguidade. As divas do cinema ou da música ocidental, majoritariamente, são
divas brancas. Mas são todas mulheres. A Revista Quem, das Organizações Globo, em
2013, escolheu as 10 maiores divas da música internacional em homenagem ao dia
internacional da mulher. Só duas eram negras. O Portal Vírgula, especializado
em TV e cinema, elegeu em 2014 as 20 maiores divas da história do cinema –
nenhuma era negra. Surge então, aqui, como em outros setores da sociedade
brasileira e ocidental, a velha pergunta: a arte imita a vidas ou a vida imita
a arte? Ou seja: há menos mulheres negras liderando campos sociais (cinema, TV,
música, empresas, literatura, etc.) como um reflexo da desigualdade racial ou a
desigualdade racial é provocada, também, pelo funil social que bloqueia o
acesso de mulheres negras aos postos de liderança?
Neste
domingo, Copacabana viu a III Marcha das Mulheres Negras no Centro do Mundo,
que celebrou os 10 anos da Lei Estadual 5071 de 2007 – Dia da Mulher Negra,
Latino-Americana e Caribenha no Estado do Rio de Janeiro, comemorado em 25 de
julho. A fala de Diva Guimarães em Paraty, mais do que um presente não
intencional em celebração dessa década, parece um recado. É preciso trabalhar
para combater o tosco e arraigado preconceito que ronda nossas histórias de
vida, transformando nosso país, nosso estado e nossa cidade, por vezes, num
inconsciente capitão-do-mato, que se acha senhor só porque calçou as botas
sujas do brechó da Casa-Grande. Chegou a hora de transformar as datas
comemorativas em marchas; os discursos em experiências reais e as nossas
milhares de divas em mestras.