
Publicado no Jornal Folha dos Lags em 21 de maio de 2011
Decidi escrever um texto sobre a disputa, existência e diferença entre esquerda e direita. Eu, que já fui acusado de não reconhecer a oposição entre ambas (seria eu um maneta político?) venho por meio desta declarar em opinião: existem, são diferentes, são opostas, mas não são absolutas.
Em minhas penosas aulas, tenho buscado estabelecer uma relação profícua entre as disputas políticas da Convenção, durante a Revolução Francesa, e o estabelecimento das diferenças entre políticas de esquerda e direita, considerando que os Jacobinos sentavam-se à esquerda nas reuniões e os Girondinos à direita, sendo aqueles representantes dos trabalhadores urbanos franceses, desejosos de uma revolução mais radical, ao passo que estes representavam a alta burguesia financeira, ávidos por uma revolução mais branda.
Ao explicar, nesta relação, o surgimento das terminologias políticas que aqui discutimos, eis que um embaraçoso discente me lembra que existem ainda “centro”, “centro-direita”, “centro-esquerda” entre outros. Ao afirmar que essas posições eram, na verdade, frutos de detalhamentos menores de posições políticas maiores, polarizadas, numa macrovisão, em direita e esquerda, fui perguntado se eu seria de direita ou de esquerda. Sem pestanejar, respondi: sou de esquerda!
Ser de esquerda, para mim, entretanto, não significa, em primeiro lugar, absolutizar o termo. Se ser de esquerda significar pertencer a um partido político de esquerda - por exemplo, um partido comunista ou socialista – veremos pelo Brasil e pela região coronéis, que muito bem se encaixariam nos ditames autoritários da República Velha, terem a permissão de “serem de esquerda”. Por outro lado, veremos políticas sociais igualitárias e voltadas aos pobres e trabalhadores serem proibidas de serem definidas como canhotas por serem executadas por partidos ditos de direita.
Nesse sentido, partidos nacionalmente de direita podem assumir posturas de esquerda nas realidades locais e vice-versa. Falo aqui da diferença entre discurso e prática, até porque as realidades partidárias de hoje sã bem diferentes da abertura democrática brasileira nos anos 80, ou ainda, da Rússia dos anos 20 – o eleitorado prende-se mais ao candidato que aos partidos e os partidos abrem-se mais a candidatos que, por vezes, pensam bem diferente de seus estatutos, o que nos leva a concluir que as configurações de esquerda e direita se sobrepõem às siglas partidárias, podendo se desenhar livremente nas relações políticas locais, dependendo do programa de governo e das ações dos atores políticos.
Ser de esquerda também não significa entender a esquerda como uma existência homogênea. A esquerda revolucionária francesa abrigava trabalhadores urbanos, mas também uma burguesia comercial que dificilmente subiria favelas ou iria guerrear no Araguaia. Contra um inimigo maior, a esquerda se une, esquece as divergências e se baseia nos ideais básicos do respeito à liberdade de expressão, igualdade, entre outros. Foi o que aconteceu com o MDB durante a ditadura militar, por exemplo. Sem o inimigo maior, entretanto, a esquerda divide-se em diversos grupos: trata-se, para Evans-Pritchard, de um processo natural de coesão social, baseado no paradigma de fissão e fusão. As disputas entre Lula e Brizola nos anos 80/90, com intervalos de aliança, mostram bem essa realidade.
Hobsbawm entende que os que afirmam a não-diferença entre direita e esquerda são de direita. Concordo, e reafirmo mais que a diferença – a oposição entre ambas. Há uma polaridade evidente entre um pensamento que preza a justiça social, o trabalhador e o pobre, e um pensamente que dedica-se ao lucro a todo custo e à manutenção do status quo dos que enriqueceram ilicitamente. Caminho pela esquerda – só acho que os dois lados dessa avenida possuem muito mais placas, quebra-molas, buracos e depressões do que pode imaginar nossa bipolar imaginação política.