
Publicado no Jornal Folha dos Lagos em 30 de abril de 2011
Apesar de ter sido, parcialmente, nosso assunto da semana passada, entendo que retornar ao tema hebdomadário seja pertinente, posto que os últimos acontecimentos continuam a despertar nossa atenção para tal discussão na cidade.
Recentemente, tivemos a apresentação do que se chamou de pacote de obras do governo municipal, visando à reforma e criação de uma série de estruturas físicas em espaços públicos, bem como reformas urbanas. Paralelamente, temos a discussão sobre a implantação de um shopping na cidade, mais especificamente, um debate acerca do lugar e forma dessa implantação. Não obstante, permanecemos a discutir a otimização das Salinas Ipiranga para a chegada de um grande empreendimento imobiliário na localidade da Ogiva, discussão que toca em outro âmbito: o da legalidade referente ao gabarito da cidade. Finalizando, a quase incessante pergunta sobre a chegada ou não do Club Med em Cabo Frio – loteamentos próximos já apresentam em suas propagandas, como justificativa do valor dos terrenos, a possibilidade de instalação do empreendimento nas proximidades do local. Não esqueçamos, para finalizar, a continuação das audiências públicas sobre o uso, parcelamento e zoneamento do solo urbano, completando os principais fatores do Plano Diretor.
A discussão aqui, a meu ver, passa ao largo do debate sobre a especulação, definida por Chancellor como o ato de indexar informações aos preços, alterando estes a partir daquelas. Penso que o foco tem de ser o movimento da população a partir de tais alterações na paisagem urbana: de que maneira tais mudanças afetam a qualidade de vida, rotina e história da população; de que maneira tais mudanças vem ao encontro ou de encontro aos anseios da mesma; e de que forma a população reage à apresentação dessas questões.
Durante as discussões sobre a obra na Avenida Ézio Cardoso da Fonseca e sobre o terminal de integração, ambos no Jardim Esperança, alguém me falava ao pé do ouvido, ponderando que as obras públicas não poderiam ser totalmente discutidas, nem os projetos inteiramente decididos pela população. Concordei com meu interlocutor, mas ponderei, rebatendo-o, que muitos aspectos formam uma obra pública, e que alguns destes deveriam sim serem debatidos com a população local, após o Poder Executivo, eleito para tal que foi, adentrar a localidade já com as bases de um projeto de alteração urbana.
Doreen Massey, geógrafa conceituada pelas atuais tendências da disciplina, argumenta que a discussão de alteração dos espaços urbanos pelas populações locais não deve ser uma regra universal, mas um direito a ser concedido se, de fato, as questões específicas de conflitos e as relações sociais internas daquela localidade se envolverem com a obra. Ao citar o exemplo de um grupo de agricultores que depredaram o Mc’Donalds local, não por uma oposição ao capitalismo globalizante, mas porque haviam feito uma opção por agricultura alternativa (como forma de sustento e como identidade grupal), Massey parece nos dar a deixa que precisamos – as alterações no espaço urbano devem ser discutidas quando se referirem à vocação e à identidade do grupo que naquela área se insere. Apesar de discordar da autora, por entender que toda alteração espacial deve possuir porcentagens de fatores que sejam discutidos com a população, vejo que, mesmo numa argumentação menos radical, como a de Massey, a necessidade de discussão das mudanças urbanas em Cabo Frio é primordial.
No Jardim Esperança, as obras influenciam diretamente a vocação local – o comércio. O Club Med, o Marinas Cabo Frio (Ogiva – Salinas Ipiranga) e o Shopping Park Lagos tocam, por sua vez, em uma identidade e uma vocação da cidade – o turismo. Já a discussão acerca da complementação do Plano Diretor, a meu ver, por motivos que tangem a legalidade e o bom senso, devem envolver a população, já que, segundo até os geógrafos mais tradicionais, como Ratzel, povo e solo (boden) formam uma união inextrincável, não podendo ser pensados separadamente, sem que a vida venha a se evadir.
Nesse sentido, a participação da população nos ambientes de discussão já existentes sobre esses temas é essencial. As audiências públicas realizadas pela Prefeitura sobre o Plano Diretor e a recente audiência pública na Alerj, convocada pelo Deputado Estadual Janio Mendes, para a discussão do Shopping Park Lagos, são exemplos em destaque. Por outro lado, novos instrumentos de discussão devem ser criados – há mais espaços a conquistar, em todos os sentidos.