
Publicado no Jornal Folha dos Lagos em 26 de março de 2011
Por observações, pesquisas e experiência própria, tenho a certeza de que a pasta da cultura é a mais complicada de um governo municipal, especialmente em Cabo Frio. Saúde e Educação têm problemas com verbas, repasses, prestações e favores. Obras, problemas com preços, suas tomadas e licitações. Entretanto, a Cultura mexe com o que há de mais complicado nas relações humanas e políticas: a afetividade e a identidade.
Ao falar de identidade, falo do ser, da essência da própria pasta: afinal, o que deve fazer uma Secretaria de Cultura? Há quem diga que ela deve apenas fomentar atividades e projetos, através de editais, articulações com a iniciativa privada e o próprio orçamento municipal. Há quem diga que esta pasta deve ser, diferentemente da primeira opinião, promotora de eventos, abrindo espaços para os agentes culturais em produções próprias.
Há quem diga ainda – e a ideia federal do Sistema Nacional de Cultura segue essa linha – que as Secretarias municipais de Cultura devem ser criadoras de instituições que agreguem os agentes e promovam as atividades culturais. Nesse caso, o termo gestor cultural, utilizado pelo Ministério da Cultura no trato dos Secretários da pasta homônima, é pertinente: ele, aqui, é um administrador, um organizador de uma estrutura que recebe os indivíduos e, como uma engrenagem, funciona a partir deles. Ele é o gerente de RH dos produtores e agentes culturais de sua jurisdição.
Mas o problema da identidade não está apenas na indefinição do ser de um órgão público de gestão cultural – que, lembremos, não precisa ser apenas uma Secretaria, podendo ser uma Fundação, uma Autarquia, uma Coordenadoria, etc. Falta uma definição identitária, ainda, ao próprio fazer cultura nos municípios. Há alguns anos, pregávamos que o caminho de independência das ações culturais estava na articulação com a iniciativa privada, a fim de que a produção se libertasse das amarras de influências políticas locais. Com o advento do governo Lula, a política cultural passou a trilhar esse caminho, especialmente com a difusão da Lei Rouanet.
Entretanto, hoje, projetos culturais recorrem a empresas municipais para captação de verbas garantidas pela lei, mas esbarram em problemas: algumas empresas, “desconfiam” das intenções políticas dos agentes, não conhecem a legislação, e/ou “desconfiam” da possibilidade de lucros, ainda que, no caso da Lei Rouanet, a reposição dos gastos seja integral.
Por outro lado, as empresas municipais, em sua maioria concessionárias e permissionárias, possuem também suas amarras com o poder público local – algumas sendo mais fiéis aos mesmos poderes do que muitos Secretários. Ou seja: o “sonho” da “isenta” articulação com o capital privado, mais uma vez, esbarra nas teses mais corriqueiras das Ciências Sociais: as instituições são formadas por indivíduos e suas relações pessoais, não por anjos ou criaturas acima da humanidade. Ou seja: o capital privado pode ser mais ou tão corrompido quanto o capital público, por um motivo simples: pessoas são pessoas, e, em algumas cidades, muitas delas, na área pública ou privada, possuem suas relações pessoais com os poderes públicos estabelecidos.
Seja no âmbito da fofoca ou da estrutura política, Cabo Frio é uma cidade pública. O município foi assim estruturado, ao longo de anos, por esquemas de poder que visavam manter sob rédeas a população, em vários sentidos e segmentos. Estamos nos libertando aos poucos.
O afeto é outra questão. O agente cultural, reconhecidamente – embora seja um erro a generalização – é um apaixonado, tenso, ansioso, lutador e sonhador. Seus afetos, sentimentos e interpretações andam sempre à flor da pele. A atual geração de agentes culturais é fruto ou filha da geração que combateu a ditadura militar no Brasil – o embate e a tensão correm nesse sangue. Gestores culturais são, além de administradores de orçamentos e instituições, administradores de pessoas, de egos, de sentimentos e de conflitos pessoais. São administradores de almas. Não é uma missão fácil.
No âmbito da afetividade, a luta por gestões participativas e o aproveitamento da estrutura do Sistema Nacional de Cultura pode ser o caminho para transformar o gestor e o agente cultural em mais do que pacientes ou aprendizes de terapeutas: respectivamente, um administrador de egos competente; e um profissional da ação cultural que mantenha no bolso o amuleto do não deixar de sonhar.