Publicado no Jornal Folha dos Lagos e nos blogs Opinião Pública (www.blig.ig.com.br/opnio) e Freelancer Digital (www.freelancerdigital.blogspot.com) em 1 de maio de 2010.
Nesta semana, tivemos de volta ao cenário da política local o Projeto Marinas Cabo Frio. O projeto, apresentado em 2008 e gerador da lei municipal 2126, deseja aproveitar a área da Salinas Ypiranga, próxima aos bairros Ogiva e Gamboa, para erguimento de empreendimento imobiliário de características não muito claras.
O projeto foi encaminhado ao Conselho Municipal do Plano Diretor, recebendo parecer desfavorável da ASAERLA – Associação de Arquitetos e Engenheiros da Região dos Lagos. Segundo os técnicos, o problema está na obscuridade dos índices utilizados na legislação em tela, especialmente do I.A.A. (Índice de Aproveitamento de Área). Falando leigamente, a falta de clareza da legislação dá abertura ao aumento soturno do gabarito da área para cinco andares, segundo reportagem da Revista Cidade de junho de 2008.
A lei da qual falamos foi aprovada pela Câmara Municipal em regime de urgência, com voto contrário de apenas dois dos doze Vereadores à época, Jânio Mendes e Rute Schuindt. Segundo a mesma reportagem da Revista, o projeto possui licença da Feema apenas para empreendimentos que tenham o térreo e dois pavimentos; porém, ao arrepio desta decisão, a lei 2126 de 2008, em seu artigo 4º, inciso II, fala do setor “B” do projeto, onde há a autorização para construções com térreo, três pavimentos e cobertura.
A pressa para aprovação do projeto no bairro é de se estranhar, em comparação com as leis complementares do Plano Diretor do “resto” da cidade, que permanecem tranquilamente engavetadas. De acordo com a mesma edição da revista já citada, o promotor de Justiça Murilo Bustamante, convocado pelo então vereador Jânio Mendes, foi à sessão legislativa e enviou documento aos demais edis lembrando que o Prefeito Marquinho Mendes deveria ter passado o projeto primeiro ao Conselho do Plano Diretor – o que só faz dois anos depois – antes de enviá-lo à Câmara, que o aprovou com rapidez invejável. Não houve discussão aprofundada sobre o impacto do empreendimento na população local, especialmente no que diz respeito a saneamento, transporte, costumes culturais e atividades econômicas locais.
A região da Gamboa e Ogiva possui histórico de conflitos no que diz respeito a espaços. A Gamboa, por exemplo, com cerca de 2199 moradores, de acordo com o Censo do IBGE de 2000, passou por processo de aterramento, na década de 70, com o Projeto Marinas do Canal, concluído na década seguinte, composto de aterros entrecortados por canais artificiais, formando três ilhas de uso residencial. Entre o imponente Condomínio e o Clube Costa Azul, freqüentado pela elite cabofriense da década de 60, mantém-se sobrevivente, entre outros atores sociais, grupos de pescadores artesanais, habitando região definida pela Fundação Getúlio Vargas, em seus estudos do Plano Diretor Municipal, disponíveis no site oficial da Prefeitura, como “Centro Especial de Aglomerado Urbano – Baixa Renda”.
Como um de seus conflitos, estes pescadores disputam, ainda, espaço de sobrevivência cultural e econômica com os "pau-brocos” e outros agentes da pesca industrial, que têm, em geral, prejudicado a pesca artesanal costeira com uma competição de espaço marítimo desordenada e desleal. Sem contar a questão das ocupações no Morro do Telégrafo, numa busca de sobrevivência territorial, que tem sido outra discussão nessa região, debatida desde a década de 80 - hoje bem conduzida pelo IPHAN.
Fica o alerta. Com o retorno do trâmite do projeto, é momento de defender e cobrar sua discussão com toda a cidade; com técnicos; e principalmente com a população da Ogiva e Gamboa – ela mesma deve se manifestar sobre os riscos do impacto cultural e econômico que vem sofrendo, não só em previsão a este projeto, mas ao longo de anos de ações apressadas, impositivas e desrespeitosas ao contexto social local. Defendo aqui o pontapé inicial para o debate nos meios de comunicação e nos espaços da cidade, especialmente em Audiências Públicas, colocando-me à disposição de toda ação que promova esta intenção.