RESOLVI FALAR!
Já se passaram exatos dez dias das eleições, e meus 19 leitores – com a nova e forte aderência de um primo distante de Italva – já me cobram incessantemente uma análise sobre o recente pleito. Tenho que começar me justificando. Há os que publicaram textos nos dias seguintes aos resultados, a fim de garantir seu pedaço de bolo governamental. Há, ao contrário, os que publicaram textos vociferantes, denunciando teorias conspiratórias e apocalípticas eleitorais. Eu não. Fiquei quietinho em meu eremitério etílico, locado em frente /á minha morada, enquanto apenas ouvia, ouvia e ouvia – vez em quando escutava. Então, resolvi falar.
Minha espera se deu por prudência. Para quê comentar no calor da hora, no auge da emoção e das paixões políticas, correndo o risco de emitir pareceres incoerentes? Então chegou a hora. Quero começar então pelos textos e anúncios publicados em sequência da vitória de Marquinho – a enxurrada de empreiteiras manifestando os parabéns parece emblemática, evidenciando prática já rotineira nos últimos governos. Sem falsos moralismos, mas convenhamos – é interessante como a rede de relações empreiteiras-governo se manifesta tão inocentemente na imprensa, e o povo, mais que inocentemente, nem se percebe, ou se percebe, entende como natural.
Aliás a naturalidade do que não é politicamente natural vem dando a tônica dos últimos acontecimentos: voltando à metade do atual Governo de Marquinho, lembremos da discussão sobre a demissão dos contratados do grupo político de Alair Corrêa. De um lado, os que chiavam contra tais demissões; de outro, os que apoiavam a idéia. Ninguém, porém, discutia o fato de ambos contratarem pessoas pelo fato de serem membros de seus grupos políticos, sem levar em conta a capacitação profissional. Foi exatamente o que Marquinho manteve em sua recente coletiva: disse que “fará justiça”, pois, ao ter de escolher entre contratar um membro de seu grupo político ou um cidadão que apoiou outro candidato, não duvidará em escolher aquele, o que gerou aplausos nos sub-secretários de comunicação presentes, digo, nos jornalistas cabo-frienses presentes. Não dever-se-ia levar em conta no momento de contratar, ao contrário, a capacitação profissional? Ou o fato de ter apoiado o prefeito na campanha faz de um cidadão melhor professor do que ouitro? Sem falsos moralismos novamente, mas convenhamos: deslocaram a discussão profissional para a discussão política e ninguém percebeu. Não faz mal abrigar nas asas do poder aqueles que nos apoiaram, é até justo. Desde que saibam o que fazem em suas profissões, para não corrermos o risco de sermos atendidos nos hospitais por ótimos estrategistas políticos e péssimos enfermeiros.
Outra discussão deslocada foi a da imprensa, quando o sagaz jornalista levanta-se durante a coletiva e pergunta: “Marquinho, muitos jornais da cidade ajudaram você durante a campanha. Você vai continuar ajudando esses jornais?” A pergunta foi a típica confissão de que grande parte da imprensa de Cabo Frio funciona apenas como braço da Secretaria de Comunicação, e seus donos, meros sub-secretários de Governo. E ninguém percebeu. De novo, sem falsos moralismos, mas assumir publicamente a submissão do papel de jornalista ao Governo, no mínimo, é falta de hombridade. Prefiro o Editorial do Tomás sobre o adversário do Prefeito nas eleições e alguns comentários de Moacir Cabral sobre a Coletiva do Prefeito, embora veja no rapaz de São Fidélis certas intenções ocultas nos comentários. Mas isso é outra história.

O fato é que, na imprensa de Cabo Frio, todo mundo é de alguém, e parece que, depois da coletiva, todo mundo é do Prefeito, menos o Lagos Jornal. Dá pra dizer que, com ressalvas, apenas a Folha dos Lagos pode hoje cantar como os Tribalistas: “eu sou de ninguém”. Mas, quem sabe, queira dizer na verdade “eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”? Pode ser...
Voltemos agora ao dia 05 de outubro. Há as discussões e denúncias acerca da legalidade das eleições, quanto a impugnação de urnas, troca das fotos nas mesmas, transportes destas pela guarda municipal, supervisores do TRE que trabalharam nas eleições, mas que possuem contratos na Prefeitura, entre outros fatos. De qualquer forma, estão sendo estas denúncias apuradas, nas mãos da Promotora Isabella Padilha, que vem fazendo um grande trabalho desde o período pré-eleitoral, com lisura, independência e seriedade.
Cabe a nós acompanharmos as notícias sobre esses procedimentos judiciais e fiscalizarmos o andamento deles. Eu, particularmente, continuo desconfiando de passeatas e manifestações que explodem nesse caso, mas não explodiram nos aumentos de passagens da salineira, na aprovação da Taxa de Iluminação Pública, entre outros fatos que ocorreram em nossa cidade. De toda sorte, a vitória de 13.000 votos de diferença é incontestável. Quantas urnas precisariam ser fraudadas para suprir isso? Este meu argumento, porém, não justifica possíveis fraudes – com prudência, portanto, aguardemos a justiça, mas novamente, deixemos de lado os falsos moralismos – riram de quem protestava durante 12 anos e agora resolvem protestar? Quem pariu Mateus que o crie!
Por outro lado, embora a vitória seja (quase) incontestável, não precisava puxar tanto o saco. Nos dias seguintes à eleição, quantos textos bonitos na rádio e no jornal foram apresentados! Ademilton Ferreira, assim que o resultado das urnas apareceu, emitiu um emotivo discurso, como se o Governo Marquinho não tivesse defeitos, constituindo quase uma Teocracia. A tradução do discurso parece ser assim: “mantenha-me na rádio, mantenha patrocínios, não me faça mal, etc., etc.”. Textos denotando a “campanha perfeita” do Prefeito cheiram ao mesmo recado de pedido de apoio, assemelhando o Governo de Marquinho ao Reino do Monarca Filósofo, desejado por Platão. O céu parece mais próximo do que pensávamos por meio desses textos e, quem sabe, até a Fé precise ser abolida, diante de tão celestes elogios políticos, às vezes, emitidos por pessoas que até então se diziam agnósticas ou atéias, mas que a partir de 06 de outubro assumiram sua fé inabalável na Santa Fatia da Torta do Poder, por meio da Oração “também quero meu pedacinho. Amém.”
Não podemos esquecer que esta foi uma eleição diferente, com forte tendência jurisdicional. Carlindo, como Prefeito em São Pedro, e Silas, como Vereador e Cabo Frio, só assumiram no tapetão, embora suas pendências judiciais tenham pesos bem diferentes, com mais leveza para a questão de Silas, tecnicamente mais simples. É uma tendência boa, que pode se estender daqui pra frente.
Quanto ao futuro, podemos vislumbrar que tivemos quatro grupos políticos presentes durante as eleições: o de Marquinho, de Alair, de Paulo César e de Jânio. O PSOL permanece como Partido nascente a nível municipal, mas só depende dele agregar-se para se fazer grupo político com força e boa imagem de ascensão em Cabo Frio. Discordando da reflexão do Professor Chicão, entendo que politicamente saem derrotados Paulo César e Alair, o primeiro porque desceu do teto e o segundo porque bateu no teto. Ambos tiveram suas imagens desgastadas, embora em proporções bem diferentes.
Jânio entrou na primeira eleição com um quadro político desfavorável e uma candidatura arriscada, mas sai com um resultado inesperado: seu nome caiu na boca do povo, ou pelo menos, de parte dele. Apesar da margem discreta de votos, deve levar-se em conta a polarização, que prejudica não só ao candidato pedetista mas também a Paulo César e Cláudio Leitão. De qualquer forma, depende agora ao grupo PDT/PV trabalhar para agregar novos aliados, ampliar o grupo e as alianças e modelar o discurso, quem sabe num tom mais propositivo, como tentou a terceira via européia. Diga-se de passagem, porém, que esse caminho não deu certo por lá, seja com Lionel Jospin na França ou Blair na Inglaterra, claro que por motivos diferentes. Um novo caminho foi tentado com Segolene Royal, mas também não foi vitorioso – esta associou uma boa imagem com o discurso socialista moderado e fez nome no País, apesar da derrota. De qualquer forma, o ideal seria um discurso que apresentasse um novo modelo de cidade, algo como “olha, não achamos que você do Governo é um monstro; a gente só pensa diferente”. Esse parece ser o caminho, um enfrentamento por cima, de nariz empinado, para que o confronto seja entre iguais, ou ao menos, parecidos.
A tendência agora é que o grupo de Paulo César una-se ao de Alair. Aliás, é o que mais se escuta na cidade e, ao meu ver, traduz-se na única possibilidade de um boom para ambos. Teríamos assim um quadro político mais coerente, se inseríssemos ainda uma aproximação entre PSOL e PDT. Dessa forma, haveria o grupo do Governo; o Grupo de Alair com Paulo César; e o grupo do PDT com o PSOL. Isso se traduziria, pois, em algo como “centro x direita x esquerda” ou ainda “moderados x conservadores x libertários”. De fato, haveria um mapa político mais claro, pelo menos em termos. Não sei se este é o caminho que eu quero ver ou o caminho que eu vejo. De toda sorte, o enxergo.

Muita gente tem me perguntado sobre a nova Câmara Municipal de Cabo Frio. Sempre respondo que, neste âmbito é difícil estabelecer previsões - ela me aparece como misteriosa. Fica difícil prever o que os novos Vereadores farão em consonância com os antigos. À primeira vista, parece-me evidenciar que a nova composição do Legislativo apresenta uma analogia à análise que o Professor Paulo Cotias fez acerca do voto ideológico em recente artigo na Folha dos Lagos – parece-me o fim do Vereador ideológico, pelo menos até 2012. Não determino que isso seja bom ou ruim, nem determino que não haja Vereadores ideológicos na nova composição, posto que muitos dos novos não conheço, e alguns antigos podem surpreeender – tudo na política é possível, ainda que improvável.
O fato é que, se conheço meu povo, alguns muitos sentirão falta dessa emblemática figura que é o Vereador ideológico, e isso pode surtir efeitos em 2012, já que amamos e desejamos sempre aquilo que não temos, ensina-nos Nietzsche. Uma Câmara que pode vir a ser orgânica, quase uma Secretaria do Poder Executivo, pode trazer novos anseios – ou ressuscitar antigos desejos – marcando saudades ideológicas em parte da população, com os suspiros de “ai, como era bom!” Isso, claro, se a nova Câmara de fato vier a se configurar dessa forma submissa, o que é possível, mas não exato – só o tempo e os Vereadores irão nos dizer e mostrar.
Eleitoralmente falando, Silas Bento e Alfredo Gonçalves saem fortalecidos, embora os últimos Vereadores mais votados não tenham bebido tanto de seu sucesso eleitoral nos anos seguintes. Taylor e Marcello Corrêa, enquanto eleitos pelo grupo de Alair, provavelmente seguirão uma linha oposicionista branda, votando com o Governo em determinadas matérias, inclusive na maioria delas, embora isso não seja totalmente exato, pois é possível ainda que Alair consiga orientar e manter ambos sob suas asas, a fim de doutriná-los a fazer uma oposição bastante incômoda em relação ao Governo. Porém, acho esta segunda linha muito pouco provável. Em resumo: quanto ao Legislativo, é muito difícil fazer previsões.
Finalizando, não podemos nos furtar de analisar o Governo Marquinho, e quer tentar aqui fazê-lo da maneira mais prudente possível, embora a imparcialidade não seja meu forte, nem o forte da minha raça, a tal de Homo Sapiens.
Atribulado, na metade do caminho com o rompimento com o grupo e Alair, e no começo, com as contas deixadas por ele, o Governo Marquinho parecia catastrófico e, pra dizer a verdade, só reverteu essa imagem – ou a amenizou – a partir do programa de passagem a um real, num movimento de tentativa de ressurreição de imagem, que se estendeu pela campanha eleitoral. De fato, deve se lembrar que o principal escalão do atual Governo é composto pelo que podemos chamar de “ala moderada” do PDT, oposição ao modelo de Governo de Alair Corrêa. Essa moderação foi decisiva para que Marquinho, ao romper com Alair, agregasse novos soldados para o grupo, tornando-o mais amplo. Ao investir onde Alair esquecera, especialmente nas Associações de Moradores e Grêmios Estudantis, agregando politica e economicamente esses seguimentos em seu Governo, Marquinho seguiu o que Lula fez com os Sindicatos, e ampliou ainda mais o apoio. Se o voto em Alair se fundava na gratidão pelo favor pessoal e particular, a gratidão a Marquinho se dá também – mas não só – pelo favor comunitário, a ajuda social e grupal.
De toda sorte, não dá pra dizer que o Governo de Alair e o Governo de Marquinho são opostos. Dá pra dizer que um investiu no que o outro esqueceu, que o diga o Segundo Distrito, onde as ações de Marquinho não foram o New Deal que seus partidários e amigos pregam, especialmente com a maquiagem eleitoral dos asfaltos, do Banco do Brasil no trailler improvisado e numa agência de Correios. Mesmo assim, foi mais do que fez Alair, e isso encheu olhos em Tamoios. Dá pra dizer que, aliado a isso, Marquinho teve ainda o apoio da rejeição a Alair, com uma grande margem de votos úteis, dos que viram em Marquinho uma opção possível para eliminar Alair. Dá pra dizer também que, em alguns fatores, Alair e Marquinho pensam com estilos diferentes, como na questão turística: Alair pensa no turismo de massas; Marquinho, no chamado turismo de qualidade, ainda que este termo seja impreciso e péssimo, socialmente falando. Mas não dá pra dizer que os métodos dos dois são diferentes, nem o modelo de Governo, mas sim o estilo de Governo – e há uma diferença bem grande entre esses dois conceitos na teoria política – modelo e estilo.

Nesse sentido, Marquinho possui a possibilidade de fazer um Governo menos atribulado que o primeiro: agregou mais pessoas e consolidou liderança com os 13.000 votos de diferença. Isso só, porém, não garante sucesso: tudo vai depender de sua equipe e da manutenção de sua imagem, que corre risco de cansar se não for bem trabalhada, mas corre o risco de ascender também.
Portanto, há uma semelhança entre Marquinho e Alair, que não é tão grande como pregam alguns, ao ponto de gerar uma identidade entre os dois, mas não é, por outro lado, inexistente, como ambos os grupos pregam, na tentativa de apresentar os dois políticos como opostos plenamente. Há um mesmo fundamento de modelo, com estilos e abordagens diferentes, aliás, bem diferentes, com vantagem para Marquinho, que optou pela amplitude e pela tática de não bater nos adversários, seja no Governo ou na campanha eleitoral, mais por uma deficiência política – o que ficou claríssimo na atuação do Prefeito no debate da Inter TV – do que por uma estratégia de vanguarda política, como o grupo do Governo tem pregado, quase numa cópia da estratégia do “Lula paz e amor”, de 2002.
É nessa semelhança que está o caminho para a possibilidade de um novo momento da política cabo-friense, que pode explodir daqui a quatro ou oito anos. Tudo depende de aproveitar bem as semelhanças entre os dois, para traçar um novo modelo a propôr para a cidade. Em seguida, é preciso agregar pessoas em torno desse novo modelo, oferecendo propostas setorizadas para abarcar todos os tipos de cidadãos. Em seguida, é preciso fazer nascer um nome e criar – ou apenas manifestar para a realidade – uma imagem que lidere essa nova proposta. E pronto: surge um adversário para ambos, quiçá novos adversários para a sucessão legislativa. A tarefa não é difícil, mas precisa obedecer três regras: moderação política, trabalho antecipado e abertura para alianças e agregamento de pessoas.
É pagar pra ver. Resolvi falar. Agora chega. Há um Executivo e um Legislativo eleitos, e viva a democracia, que, na verdade, “é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros (Winston Churchil)”.